Hélio Morais: “A contracultura está muito forte e isso inspirou-me muito.”

É a casa dos Paus, mas também moram lá Linda Martini, Dead Combo e You Can’t Win Charlie Brown, entre outras bandas. Falamos do Haus, onde o baterista nos recebeu para uma conversa sobre os quatro anos do estúdio e o recém-lançado EP “LXSP”, gravado no Brasil. Foi algures nessa ponte musical entre Lisboa e São Paulo que Hélio Morais começou a desenhar o piano com que se quis fazer ouvir nas paredes do Poster.

 

POSTER: Como é que recebeste o desafio de participar no Poster?

Hélio Morais (HM): Nunca fui incrível a desenhar, mas fiz graffiti durante muitos anos. Por isso, quando o Bruno me convidou, achei que podia ter piada. Não desenho bem, mas às vezes tenho ideias que me agradam e então vou transpondo-as para o papel. Desta vez, tinha uma ideia que encaixava e na verdade veio um bocadinho dessa altura do graffiti, porque aquilo foi tudo desenhado com um marcador daqueles tipo trincha.

POSTER: Que mensagem querias transmitir com esse desenho?

HM: Não gosto de dar demasiado. Acho que quem cria cria com uma intenção, ou melhor, cria com uma necessidade, mas depois a piada é o significado ser apropriado por quem recebe aquilo que foi transmitido.  Por isso, não gosto de fechar o conceito para quem depois vai consumir o que quer que seja que eu faça.

POSTER: Fiquei com a ideia de que o Dó era uma alusão ao panorama atual da indústria musical…

HM: Nem tanto à indústria. Eu estive a gravar um EP com os Paus no Brasil, em São Paulo, e inspirou-me muito a forma como a contracultura está muito forte. Sei lá, tu tens uma comunidade LGBT a ser super-perseguida. Tu tens os pobres a serem cada vez mais violentados e discriminados, e no meio disto tudo, o que nós sentimos foi que as pessoas estão todas muito mais unidas. Ainda que os riscos sejam maiores, a verdade é que as pessoas estão a sair mais para a rua e estão a sair juntas e protegem-se e criam núcleos de discussão e de apoio. E isso inspirou-me muito. Tanto que a ideia inicial até eram duas mãos, uma a vir de cima e outra a vir de baixo, a não se largarem, mas depois no desenho fica estranho, duas mãos não são leitura. E então, acho que o dó vem um bocado daí, ainda que eu não associe ter dó a isto. Porque isto não é uma coisa para se ter dó, é uma coisa para se ter empatia.

POSTER: Como é que vês iniciativas como o Poster na promoção do acesso à cultura?

HM: Isso é um bocado como na música. Eu acho que tens dois lados. Tens o facto de a arte estar disponível de forma gratuita. É bom conhecer, porque dá a conhecer. Nem toda a gente tem acesso à arte. Nem toda a gente tem possibilidades económicas nem sequer de agenda para ir a uma galeria. Há pessoas que têm demasiados trabalhos para sequer pensar em consumir arte e não deveria ser assim, todos deveríamos ter acesso a isso. Mas imagino que quem viva no subúrbio e demore duas horas a chegar ao trabalho e a vir do trabalho a disponibilidade para depois fazer qualquer coisa que tenha que ver com cultura, ainda para mais se tiver filhos, ao final do dia, é quase nula. Desse ponto de vista, é bom que haja arte na rua e que as pessoas também possam ter direito a isso. Agora, depois imagino que haja o outro lado da questão. Se a arte também é só gratuita, fica complicado seres artista, se calhar deixas de ter artistas também.

POSTER: E quanto ao meio em si, a rua como ambiente nativo da arte?

HM: Eu gosto da ideia de poder ver um Vhils numa Fundação EDP. Por outro lado, entendo quem possa dizer que isso deturpa um bocado a cena da street art. Mas acho que cada um é livre de fazer aquilo que quiser. E, se tem pessoas e público para ver, porque é que não é legítimo? Gosto de ver arte na rua como arte de rua, e gosto de ver arte de rua nas galerias. Agora, entendo que ideologicamente o conceito possa ser estranho para quem seja demasiado fiel ao que é a arte de rua.

“O Haus é uma ideia de comunidade fixe.”

Capa do mais recente EP dos Paus, intitulado “LXSP”. Lançado a 28 de junho, é o resultado de duas semanas de trabalho nos estúdios da Red Bull Station, em São Paulo.

POSTER: Já lá vão 4 anos desde que abriram as portas do Haus. Que balanço fazes desta aposta?

HM: Têm sido 4 anos de descoberta. Primeiro, de perceber como é que se chama bandas e artistas para gravar. O Makoto e o Fábio vinham de um outro estúdio no qual estavam muito habituados a gravar um certo tipo de banda, mas aqui a coisa abriu um pouquinho mais também. Então, acho que o desafio, especificamente para eles, é perceber até onde é que podem ir. Hoje em dia temos um piano lá em cima, portanto, isso já tem que ver com um outro posicionamento e uma intenção de gravar outro tipo de bandas. Temos uma sala que é grande e que dá para gravar takes diretos também. Portanto, já nos abre outras possibilidades que eles também não teriam ao dispor.

POSTER: Como é que descreves o ambiente entre bandas?

HM: Há dias incríveis, porque a troca é muita, circulam muitos artistas diferentes. Hoje está a gravar o Diogo Piçarra lá em cima… Isto passa quando? Era só para saber se saía depois de ele ter acabado de gravar, porque ele tem demasiadas fãs e depois vinha aí tudo… (risos)

POSTER: Que som é que estão a ajudar a criar e difundir?

HM: Eu acho que nem é tanto um som, porque, se olhares bem para a parte do agenciamento, desde Capitão Fausto a Paus, não tem nada a ver uma com a outra. A Catarina Munhá menos ainda. Agora, mais recentemente, também começámos a trabalhar com o Fado Bicha. Temos o Hollywood também, que é trap. Não diria tanto que é um som. É um agregador de pessoas que têm projetos que gostam de trabalhar e que se calhar se identificam com a nossa forma de trabalhar. Nem eu nem o Ricardo Martins queremos ser magnatas do booking, porque nem temos perfil nem paciência, porque é preciso… Honestamente, para jogares nessa liga, é precisa muita capacidade de encaixe e muito jogo político, que é coisa que não me apetece ser, enquanto trabalhador da música, não é uma coisa que me interesse muito. Não tenho aspirações dessas. Acho que o que há é uma ideia de comunidade fixe. Temos esta sala onde estamos, que é a sala de Linda Martini, a sala a seguir é a sala dos You Can’t Win Charlie Brown. Depois, temos lá ao fundo uma sala que é a Tutti Frutti, onde ensaiam os Marvel Lima, os Quelle Dead Gazelle, os Cave Story. Depois temos uma sala aberta, do outro lado – essa aluga-se à hora. A sala dos Dead Combo e do Mazgani… E a sala dos Switchdance e do Rompante, que é mais para música eletrónica. E, à parte disto, temos um outro espaço, que é onde tenho o meu escritório, do agenciamento do Haus, juntamente com o Ricardo. Nós fazemos o agenciamento de Capitão Fausto, dos próprios Paus, do Jiboia, da Catarina Munhá, uma série de outros artistas. E, do outro lado, o escritório dos Maus Lençóis, que é o escritório de dois tour managers que fazem entre Linda Martini, Diogo Piçarra, que são o Rafael e o Gonçalo. E ainda temos o estúdio de gravação do Haus e um estúdio de fotografia que está arrendado.

POSTER: Já levas mais de 15 anos com os Linda Martini e há 10 com os Paus. Até aqui, as coisas têm-vos corrido bem, apesar do que à partida poderia ser um handicap, a língua portuguesa. O que é que perspetivas para o futuro?

HM: Nós nunca tivemos demasiadas expetativas em relação ao que viesse a seguir, portanto, também continuamos a não as ter. Nós vamos é reagindo no momento e, quando digo “no momento”, é quase um ano de distância. Este ano, os Paus estão a celebrar 10 anos e decidiram fazê-lo com vários discos, com música nova. Fomos à Red Bull Station, aos estúdios da Red Bull em São Paulo gravar o EP (saiu dia 28 de junho), com a colaboração de vários artistas (o Dinho dos Boogarins, o Edgar, que é um rapper ativista, a Maria Beraldo. Foi o Kastrup que produziu – ele foi o produtor d’ “A Mulher do Fim do Mundo”, o disco da Elza Soares. E neste momento estamos a gravar aquele que será o nosso quinto álbum. A ideia é editá-lo também este ano, de forma a celebrar os 10 anos. Com Linda, a ideia é gravarmos um álbum novo no primeiro trimestre de 2020, para sair depois do verão.

 

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